A Prática Dominical na Diocese de Santarém

Rever as motivações da prática dominical

A participação na Eucaristia dominical sempre constituiu um dos indicadores mais seguros da fidelidade na vida cristã ao ponto de se identificar o praticante com o participante na missa do domingo. Continuaremos a manter este critério apesar da diminuição da prática dominical?!
Ouvi comentar, por altura de 1975, a um teólogo luterano (Pannenberg) de grande abertura ecuménica, que a Igreja católica tinha usado uma boa pedagogia ao insistir na obrigatoriedade grave da participação dos fiéis na Eucaristia dominical. Deste modo, observava o conhecido teólogo, os fiéis católicos respeitavam a centralidade da eucaristia na vida cristã. Enquanto os luteranos e outros cristãos protestantes, muito ciosos da sua autonomia pessoal e avessos a normas eclesiais, primavam pela ausência na Ceia do Senhor, com evidente empobrecimento da fé. Nessa altura, no norte da Alemanha, em que os católicos eram minoria (viviam em “diáspora”, diziam) dava gosto celebrar nas igrejas católicas repletas de fiéis participantes, enquanto as igrejas evangélicas estavam vazias.
Hoje a situação mudou. Parece que todos levam menos a sério as obrigações. O cristianismo fácil, “light”, adaptado às conveniências de cada um, sem grande rigor nem exigência, alastrou por toda a parte, a diminuição da prática dominical. Talvez esta situação cultural explique, em parte, a diminuição da prática dominical verificada neste último censo. Não haverá entre nós muito menos católicos. Mas haverá mais católicos instalados no comodismo.
Na Diocese de Santarém a diminuição de praticantes foi de 3.955 fiéis em relação a 1991. Não é uma diminuição muito significativa. No Ribatejo, aliás, a prática dominical nunca foi tão elevada como no centro e norte do país. Em percentagem ao número total de habitantes, era de 17% em 1991. Agora, pelos dados adquiridos até ao momento, situa-se entre os 14 e 15%. A maioria das 111 paróquias da Diocese não se distancia muito dos 10%, um pouco mais numas, um pouco menos noutras. Um leque menos significativo ronda os 20%. As que se aproximam dos 40% são uma meia dúzia.

Um fruto importante destes inquéritos à prática dominical é a reflexão pastoral que provocam e a possível renovação eclesial que propõem. Que propostas pastorais nos sugerem estes dados?!
Um dos primeiros grandes estudiosos deste fenómeno religioso, Gabriel Le Bras, mostrou pelos anos 50 e 60, uma relação directa da quebra da prática dominical com o êxodo rural para a cidade. “De cada cem rurais, opinava Le Bras, que se estabelecem em Paris, aproximadamente, noventa por cento deixam de ser praticantes”. Enquanto no mundo rural a força da tradição, o ritmo cosmológico do trabalho agrícola e os laços comunitários favoreciam a pausa festiva da Eucaristia dominical e o encontro da comunidade, no ambiente urbano o desenraizamento, o anonimato e a abundância de outras solicitações desencaminhavam da prática tradicional do Domingo.
Ora hoje a fronteira entre o urbano e rural está mais esbatida. A cultura urbana e secularista penetra no mundo tradicional através da comunicação social, das modas, das discotecas e da mobilidade constante das pessoas. Participar hoje na Eucaristia dominical, tanto no mundo rural como no mundo urbano, exige convicções firmes, decisão pessoal e capacidade de reagir perante as solicitações do meio ambiente.
Será irreversível a quebra da prática dominical?! Não parece. Em Santarém o número de praticantes diminuiu em relação a 1991, mas aproximou-se de 1977. Portanto, de 1977 para 1991, houve um aumento equivalente à diminuição de 91 para cá. Por outro lado, em bastantes paróquias (um quarto da totalidade), houve uma ligeira subida da percentagem de praticantes enquanto noutras se manteve.
Que factores contribuem para o aumento ou para a diminuição da prática dominical?
A Eucaristia dominical é a celebração por excelência da fé. Quando a fé é fundamentada em convicções vividas no coração como experiência pessoal, a prática dominical será mais fiel. Ora a fé é dom de Deus e resposta pessoal de cada um. A nós cabe-nos cuidar do despertar e do aprofundamento da fé pessoal através da evangelização, da catequese, da formação permanente em pequenos grupos, da preparação cuidadosa da Eucaristia, da celebração festiva e participada, da atenção à beleza da liturgia, da criação de ambiente comunitário. A nós compete-nos semear mesmo que os frutos não se possam colher de imediato. Em todo o caso, somos desafiados a rever as motivações que apresentamos para a prática dominical. Não basta apoiarmo-nos na força das tradições e das obrigações. É indispensável fundamentar convicções pessoais, despertar o gosto pela liturgia, motivar a participação activa e festiva. Quando se descobre e se saboreia o mistério da fé, quando se tem consciência de que Deus fez este dia para estar connosco, nos iluminar e animar na esperança e no amor, então não há obstáculos que impeçam a prática dominical. O ambiente pode exercer uma força contrária. Mas a fé vence o mundo.

D. Manuel Pelino Domingues
Bispo de Santarém