A família e o Domingo

Nos dias 19 e 20 de Junho último, a Conferência Episcopal Portuguesa realizou Jornadas Pastorais dedicadas ao "Domingo e a prática dominical - desafios pastorais". Para a reflexão sobre este assunto foram convidados alguns colaboradores, entre quais o director do Secretariado Nacional da Família. Do trabalho ali realizado elaborei algumas reflexões mais directamente relacionadas com a família; creio ser meu dever partilhá-las com as pessoas mais directamente ligadas à pastoral familiar. Agradeço à Agência Ecclesia a possibilidade que me dá de o fazer, por seu intermédio.

1. O recenseamento da prática dominical recentemente feito refere-se a indivíduos, não nos dando informações directas sobre a prática dominical das famílias cristãs enquanto tais. No entanto, é significativo o decréscimo do número de participantes nas classes etárias mais novas, isto é, os filhos e os casais mais novos.

2. O Cristianismo fez o Domingo. O "Dia do Senhor", como Dia da Eucaristia, dia do descanso, dia de festa, contribuiu para dignificar o homem e humanizar a sociedade: o Domingo é um Dia não só para Deus, mas também Dia do Homem, porque lhe dá a certeza de que o tempo, o trabalho, as canseiras do dia-a-dia, representados nos seis dias da semana, são caminho para a eternidade feliz anunciada e já saboreada em cada Domingo.
Razões várias levaram a substituir o Domingo pelo "fim-de-semana", muitas vezes marcado pelos "passeios" às grandes superfícies comerciais a alimentar o sonho de consumir (ou a arrastar a tragédia de se ver consumido por padrões de vida que desgastam e desumanizam).
E as famílias cristãs?
Talvez algumas entrem no ritmo de muitas outras e, se calhar, também "consomem" a Missa no lugar e à hora mais convenientes, para não complicar o esquema, ou, se complica, deixam-na para trás, que isto de obrigações a preceitos já não faz sentido... a Missa é boa quando diz alguma coisa, quando se é fã do padre ou não demora muito...

3. Se a Igreja fez o Domingo e as circunstâncias da História lhe deturparam o significado cristão, então temos de o reconstruir, tanto na dimensão religiosa como antropológica. Não há que ter medo; a Igreja traz consigo a experiência de viver em ambientes hostis e até de os transformar, não só pela inculturação dos valores libertadores do Evangelho, como pela conversão das mentalidades. Se, no passado, foram os monges que contribuíram para a santificação do domingo, hoje caberá, porventura, às famílias cristãs essa missão, vivendo-o, antes de mais, como o Dia do Senhor e Dia da Família. A inspiração divina e a imaginação ditar-lhes-ão os caminhos. Reler e meditar, na perspectiva da vida familiar, a Carta Apostólica de João Paulo II sobre o Domingo (Dies Domini) será um bom começo.

4. A Eucaristia é o centro do Domingo, pois tudo o que o Domingo é e pretende realizar em nós emerge da Eucaristia: o encontro com Cristo que (re)une e purifica, que alimenta e ressuscita, que chama e que envia. A Eucaristia dominical é, também para cada família, fonte de reconciliação, unidade, alegria e esperança. Isto implica uma catequese intra-familiar sobre o significado e o modo de viver o Domingo, Dia do Senhor, Dia da Família.

5. E quando a Missa é uma "seca"?
Muitos pais queixam-se de que os filhos, ao chegar a adolescência, deixam de querer ir à Missa, dizendo que "ela não lhes diz nada", que é uma "seca". Que hão-de fazer?
Examinando bem esta justificação, creio que poderá significar quatro realidades distintas.
Em primeiro lugar, pode referir-se a aspectos da celebração que, apesar de circunstanciais, têm importância, sobretudo para os que têm uma fé ainda incipiente: falta de condições que permitam uma boa audição; homilias longas e mal preparadas, enviesadas em relação à experiência e preocupações da comunidade; falta de estética na celebração, na música e muitas outras coisas que dificultam ou impedem a comunicação na liturgia. O que fazer? As famílias irão ter com o seu pároco e oferecer-se-ão para ajudar a melhorar a qualidade das celebrações.
A Missa também é uma "seca" para aqueles que não foram iniciados catequeticamente no sentido da celebração da Missa e no significado dos vários ritos. A esta ignorância responde-se com uma catequese para toda a comunidade centrada no sacramento da Eucaristia.
Em terceiro lugar, a Missa pode ser uma seca, quando não se valoriza a dimensão comunitária da Eucaristia e se prefere uma Missa em que cada um "consome", a seu gosto, o que mais lhe aprouver. De facto, as nossas assembleias são cada vez mais heterogéneas, etária e culturalmente. O que, à partida, tem a vantagem de ajudar a viver a catolicidade do Povo de Deus, pode ser tomado por alguns cristãos como obstáculo à sua vivência individual: canta-se muito e com alegria para ajudar os jovens, ficam os mais idosos exasperados com tanta cantoria; dá-se lugar aos praticantes de outras culturas para exprimirem a fé com os seus rituais e há quem olhe para o relógio irritado com a demora... Para alguns é uma "seca" escutar os outros, participar da sua vida, aprender com eles...
Por último, a Missa pode ser uma "seca", porque celebrá-la implica uma conversão. Que a Missa é a festa da ressurreição, ninguém duvida. É verdade, porém, que a ressurreição só pode ser fruto da conversão. Vamos à Missa para nos convertemos, para morrer para o pecado, para mudar a vida a partir da Palavra de Deus e do encontro com Jesus Cristo. E nunca sabemos a que nos pode levar a ousadia de ir ao seu encontro e perguntar-lhe: que queres de mim? Sabemos, contudo, que não há outro caminho para a santidade, isto é, para a ressurreição, senão a cruz... uma "seca", sem dúvida, mas esta é incontornável!

6. Um grande desafio se abre aos pais deste tempo de consumo desenfreado: explicar aos filhos, com o seu próprio testemunho, o sentido do Domingo e da Eucaristia, a mais valia do ser sobre o ter, do dar sobre o receber, e ainda a alegria infinita de encontrar Cristo vivo à mesa eucarística de cada Domingo, do convívio familiar que a prolonga em cada casa, entre alegrias e sofrimentos, e na solidariedade com os pobres, os doentes, os imigrantes, os que estão sós.

P. José João Aires Lobato
Director do Secretariado
Nacional da Família