A Prática Dominical na Diocese de Beja

A prática dominical é dos mais importantes indicadores do comportamento religioso das populações católicas. O terceiro mandamento da Lei de Deus ordena a santificação de um dia de cada semana; e o primeiro preceito da Igreja concretiza-o com a obrigação do descanso religioso e da participação na Eucaristia aos domingos e dias santos.
Justificam-se assim os recenseamentos da prática dominical, que se têm feito um pouco por todo o mundo católico. Em Portugal, depois de várias iniciativas de âmbito diocesano (p.ex.: Lisboa, 1955) e paroquial, o Episcopado promoveu os recenseamentos de 1977, 1991 e 2001. Na diocese de Beja, fez-se mais um, intercalar, em 1985, que teve o mérito de avaliar a recuperação da frequência da missa dominical fortemente afectada pelas perturbações político-sociais de 1974 (Revolução de Abril) e de 1975 (“Verão Quente”).
A leitura dos dados destes recenseamentos pressupõe o seu relacionamento com os valores da população fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) ou calculados com base neles. De facto, há áreas geográficas e sectores demográficos em que a população cresce ou, pelo contrário, diminui., em razão de variações da natalidade, da mortalidade e de fluxos migratórios.
A população de Portugal cresceu a bom ritmo desde os 4,287 milhões de habitantes de 1864 (ano do primeiro dos modernos recenseamentos gerais da população) até aos 8,510 milhões de 1950. A partir daí, a quebra da natalidade e a emigração para os países da Europa mais afectados pelos efeitos da guerra de 1939-45, quase sustiveram o crescimento. Foi preciso esperar pelo fim do milénio e pela entrada no país de algumas centenas de milhares de estrangeiros (da África, Brasil, Espanha, Europa de Leste) para a população passar os 10 milhões.
No caso da diocese de Beja, quase coincidente em área com o Baixo Alentejo, o crescimento da população foi normal até 1950 (passando de 155 mil em 1964 para 358 mil em 1950). Mas, a partir deste ano, a população começou a diminuir, a ponto de, no ano 2001, atingir valores (220 mil) inferiores aos do recenseamento de 1911 (228 mil). Concelhos houve que perderam mais de metade da população em 40 anos.
Esta evolução, que também se deu noutras dioceses do interior, levou ao rápido envelhecimento das populações, o que se pode verificar na comparação das pirâmides de idades ao longo da segunda parte do século. Enquanto os idosos de mais de 70 anos (sobretudo mulheres) mais que duplicaram, as crianças até aos 7 anos reduziram-se a menos de um quarto. Não será difícil imaginar o reflexo desta situação anómala na vida familiar, escolar, social e económica do Baixo Alentejo.
A prática dominical na diocese de Beja, i.é, a percentagem do número de presenças contadas em todas as missas celebradas nos dias de recenseamento, relativamente ao número de habitantes residentes maiores de 7 anos, essa prática revelou-se a mais baixa de todas as dioceses de Portugal. No entanto, ao longo dos 24 anos que enquadram os quatro recenseamentos, tanto essa prática (percentagem de praticantes) como o número dos praticantes têm crescido, conforme se pode ver no quadro estatístico anexo.
Em 1977, os praticantes foram 6.454, com uma percentagem extremamente baixa de 2,9 %, chegando a ser quase insignificante entre os homens. Passados 8 anos, em 1985, depois do apaziguamento social e do ingresso de número significativo de “retornados” das antigas colónias, o número de praticantes foi de 10.961, com uma percentagem de 5,1 %. O crescimento da prática continuou, porém mais discreto, passando, em 1991, para 12.385 (5,9 %). No último decénio do século, a subida foi ainda mais discreta, passando para 12.835 (6,1 %, com base nos dados preliminares publicados pelo INE).
A prática global tem diferido pouco de concelho para concelho. No entanto verificam-se nela sobretudo duas anomalias. A primeira é a grande diferença entre prática masculina e prática feminina. Em cada 5 presenças nas missas, só uma é, em média, de homens. Esta desproporção atenua-se, porém no escalão dos 7-14 anos. A segunda é a que se verifica de escalão para escalão etário. O escalão mais praticante é o das crianças. Mas, na passagem para os escalões dos 15-24 e dos 25-39, a quebra da prática é muito acentuada. E há sinais de que estes desequilíbrios tendem a agravar-se.
Estes resultados quantificam uma situação já há muito conhecida, que se verifica sobretudo nas zonas menos praticantes de Portugal (e não só), reflectindo dois séculos de propagandas anti-religiosas e anti-clericais, que atingiu especialmente os homens. Tal situação condiciona o tipo de pastoral e, por sua vez, o tipo corrente de pastoral, muito dominado pela presença feminina, volta-se pouco para os homens.
Será ainda de referir outro sintoma detectado nos últimos recenseamentos, na diocese de Beja e em outras, o de que as jovens, em idade de serem mães, estão a ter comportamentos morais e religiosos cada vez mais semelhantes aos dos rapazes, alheando-se das práticas cristãs, o que põe em risco a principal via de transmissão da fé às novas gerações, a das mães para os filhos pequenos.

Manuel Franco Falcão
Bispo Emérito de Beja