Recenseamento à prática dominical de Aveiro

Alguns dados e reflexões pertinentes

O recenseamento da prática dominical, realizado em 10 e 11 de Março de 2001, trouxe na leitura serena dos seus resultados, algumas interrogações pertinentes à acção pastoral. É verdade que faltam ainda os dados definitivos de referência para uma leitura com total objectividade. No entanto, não se pode iludir uma realidade de que já temos dados que, podendo, embora, vir a sofrer alguma rectificação na sua qualificação, têm já luz suficiente para uma reflexão pastoral consequente.

Seguindo critérios comuns de leitura aos dos recenseamentos anteriores, (correcção em virtude do número de crianças antes dos sete anos, idosos e doentes impossibilitados, contando todos no número global da população residente) podemos falar, desde já, dos seguintes resultados comparativos dos três recenseamentos feitos:

 

Habitantes

% de Praticantes dominicais

1977

228.086

34,8%

1991

249.911

32,1%

2001

310.000

27,33%

A esta diferença de população haverá que juntar que, certamente, já serão muitos os que não se consideram cristãos ou deixaram de tal modo adormecer a graça baptismal que a missa do Domingo não lhes dirá muito, nomeadamente como obrigação de consciência.

É um facto que não se nota, de modo sensível, a diminuição de praticantes na sua globalidade, pois as assembleias eucarísticas mantêm-se numerosas. Nota-se, isso sim, em muitos casos, uma alteração visível na sua fisionomia humana.

Uma região, como Aveiro, que sofre, de modo claro, uma manifesta mudança social e cultural, não é de estranhar que manifeste alterações diversas nos comportamentos, valores e modelos que vão dominando a vida das pessoas. Também no campo religioso, como é óbvio.

A multiplicidade de oportunidades que se abrem às pessoas, do desporto à saída para o fim de semana fora de casa, bem como o nível de vida que permite novas opções para viver e ocupar o Domingo, mais a gosto pessoal, permite deslocações múltiplas que, em muitos casos, afectam a participação da Eucaristia na própria paróquia. Porém se todos estes são dados objectivos que não se devem esquecer, eles não podem também servir de plena justificação para a diminuição do número de dominicantes.

 

 Ponho em relevo alguns dados com um comentário breve:

1.   Diminuiu, em muitas paróquias, o número de crianças dos 7 aos 14 anos. 30.279 (1977); 29.547 (1991); 10.846 (2001). As catequeses nos meios urbanos, e não apenas nestes, fazem-se agora durante a semana, por dificuldade de os catequistas a fazerem ao sábado e ao domingo. Nas crianças, a missa dominical ou está muito ligada à hora da catequese, ou não assistem à missa se os pais não o fazem.

2.   Também houve diminuição sensível nos jovens dos 15 aos 24 anos que se pode verificar assim: 13.591 (1977); 11.998 (1991); 7474 (2001). O decrescimento é menos sensível no grupo etário seguinte, dos 25 anos aos 39, de 11.374 (1977) desceu para 9303 (2001).

A partir dos 40 anos começa a dar-se uma recuperação visível, mas a diminuição em idades determinantes para as opções de vida e para o testemunho a dar aos filhos mais novos, envolve justificadas preocupações pastorais.

3.   Deu-se um fenómeno curioso na Diocese: duplicou o número de dominicantes fora da sua paróquia de residência e passou de 1780 para 5.500 o número de praticantes com estudos e cursos superiores. O total do número de comungantes passou de 29,2% em 1977 para 50,7 em 2001.

4. Em todas as igrejas paroquiais da Diocese (101 paróquias) se celebra a missa dominical. Nalgumas paróquias mais de uma celebração dominical. O número de celebrações dominicais com ausência de presbítero não é significativo, pois são pouco mais de uma dúzia, mas com tendência a aumentar, dado o crescimento demográfico e o número crescente de lugares com bastante gente residente.

5. A previsão é de que, dentro de 10 anos, o número de padres ao serviço diminuirá sensivelmente. O número de diáconos permanentes, agora 24, terá crescido, bem como o número de leigos preparados teologicamente. A racionalização do trabalho e ocupação dos presbíteros, de harmonia com a sua capacidade e idade, impõe-se desde já, bem como a preparação dos cristãos para uma realidade nova.

Sem deixar de se assegurar a celebração da Eucaristia e de se fazer tudo para que esta seja possível, é fundamental pôr o acento na vivência do Domingo, numa dimensão alargada, como insiste o Papa na Carta Apostólica “O Dia do Senhor”.

6.   Uma especial atenção merece a realidade social que se vive hoje com o dever de se ser criativo e inovador, tornando os agentes pastorais, clérigos ou leigos, cada vez mais sensíveis ao dever da Igreja nestas circunstâncias. Também se exige uma especial atenção às famílias.

 

Uma reflexão final se me impõe.

A Diocese de Aveiro já teve, por duas vezes, o Domingo e a sua celebração, como plano pastoral anual. Um esforço grande, feito então, ajudou as comunidades paroquiais a qualificar, liturgicamente, as celebrações eucarísticas dominicais. As assembleias tornaram-se mais participativas, aumentaram as pessoas preparadas para realizar os diversos ministérios, renovaram-se os coros litúrgicos, adaptaram-se os templos e foram objecto de especial cuidado os novos templos que se foram construindo. Um trabalho que deu os seus frutos.

Porém, a fisionomia do Domingo mudou. O Domingo está cada vez mais secularizado e o número dos cristãos da Diocese que o celebram no templo é pouco mais de um quarto do seu conjunto. Os graus de pertença religiosa dos cristãos são diversos e, por vezes, difíceis de delinear com precisão. Porém, a importância do Domingo não é apenas religiosa, é também humana, social e cultural.

Recuperar o Domingo na sua dimensão global não se pode fazer apenas no templo, embora deva partir deste e da vivência que aí se proporciona, o fermento novo de um Domingo que possa ser uma referência séria a Deus para as pessoas, as famílias, a vida social, as acções de solidariedade para com os outros, o esforço de compreensão do tempo no seu valor e medida, a valorização de capacidades que em nós existem, como a contemplação, e se atrofiam se não lhes abrimos horizontes novos e enriquecedores.

Recuperar o Domingo, como Dia do Senhor e da Igreja como dia do homem e dia dos dias, é hoje talvez o maior desafio pastoral.

O Domingo está inserido na nossa cultura e continua a ser um elemento da maior importância na sua caracterização e na defesa dos seus valores. Mesmo para a grande maioria dos cristãos que não vão regulamente à missa, o Domingo é, ouvimo-lo cada dia em vários tons, um dia especial e com um especial sentido, um dia que, quando se desperdiça, deixa sempre um toque diferente na consciência e na memória das pessoas.

A Diocese de Aveiro vai de novo dar uma atenção especial à pastoral do Domingo, de modo a que, sem descurar o que se passa e deve passar nas celebrações litúrgicas, abra cada vez mais estas para a sua influência na vida, mas prestando também cuidado a outras formas de “celebração” não religiosas, que são aquelas que congregam muitos cristãos que deixaram de ir à missa, mas ainda se dizem crentes e para os quais Deus continua a ter algum sentido.

+ António Marcelino,
Bispo de Aveiro