Fátima e as Aparições


Sabemos todos da importância que têm na vida da Igreja certos lugares de aparições de Nossa Senhora. Lourdes e Fátima são dois exemplos de peregrinação mundialmente conhecidos. Na Cova da Iria, Nossa Senhora apareceu a três crianças de famílias humildes de Aljustrel: Lúcia de Jesus Santos, que na altura tinha dez anos; Francisco Marto, com nove anos e Jacinta Marto, sua irmã, com sete anos. As três crianças não possuiam formação escolar mas adquiriram formação religiosa na catequese paroquial.

1 - QUE SÃO APARIÇÕES?
Afinal, o que são as aparições? Serão fruto da ilusão de quem vê? Falsa realidade de quem se quer deixar ver? Acção directa de alguém que se quer manifestar? E se alguém se faz ver, isso supõe uma presença corporal (física)? Ou basta uma mera imagem visual criada na mente do vidente para que haja aparição? Pouco se tem discutido sobre as apariçoes marianas (de Maria) ou mariofanias. Há estudo suficiente sobre as aparições do Ressucitado aos discípulos. Poderemos tentar uma aproximação ao tema, a partir das aparições e relatos descritos na Bíblia (no Antigo e Novo Testamento) para chegar a alguma luz sobre as aparições de Fátima.

1. Dá-se o nome de aparição a uma manifestação de Deus, dos anjos ou dos mortos, que se apresentam sob uma forma que impressiona os sentidos. Na Bíblia, a aparição constitui um modo de revelação de Deus, isto é, um modo de Deus comunicar algo de si aos homens. Por elas se tornam presentes de maneira visível os seres que, por sua natureza, são invisíveis aos homens. No Antigo Testamento Deus aparece em pessoa (= teofania), manifesta a sua glória ou faz-se presente, por meio de um anjo. O nome de "anjo" não refere a sua natureza, mas a sua função: é mensageiro.
Antes de falarmos das aparições de Nossa Senhora, convirá, antes de mais, analisarmos brevemente as do Senhor Ressuscitado, que nos vêm relatadas nos evangelhos.

2. As aparições de Jesus Ressuscitado:
O Novo Testamento refere as aparições do Anjo do Senhor ou de Anjos para manifestar que, em certos momentos importantes da existência de Cristo, o Céu está presente na Terra, o divino no humano. Mas parece claro que os narradores não quiseram redigir uma crónica biográfica da aparição do Ressuscitado. É completamente impossível coordenar os relatos no tempo ou no espaço. Também é certo que os evangelistas não quiseram deixar-nos "recordações fotográficas" e se aparecem pormenores ("portas fechadas", "tocar com o dedo"...) estes não devem ser considerados independentemente da totalidade daquilo que se quer revelar.

Há sempre três aspectos comuns a todos os relatos de aparição:
a) A iniciativa é daquele que "aparece": nas aparições, aquele que aparece é que toma a iniciativa. A fé é consequência deste encontro com o vidente (aquele que vê). Os evangelistas, mostrando que é Jesus que intervém junto ou no meio das pessoas, quando elas não contam com isso, manifestam assim que não se trata (na aparição) de uma invenção subjectiva (por parte do sujeito que vê) dos interessados, devido a uma fé doentia ou exacerbada ou a uma imaginação desbocada.... mas é fruto da acção e iniciativa daquele que se faz e deixa ver.

b) Reconhecimento progressivo: os discípulos descobrem quem é Aquele que que se faz ver: Jesus de Nazaré, cuja vida e morte haviam conhecido. Ele que tinha morrido, está Vivo. Mas o modo deste reconhecimento é gradual. Primeiro vêem nele um viandante, outras vezes um jardineiro... só depois é que reconhecem que é o Senhor! Não é fácil ver que é o Messias Crucificado. É que o Ressuscitado está já liberto das dimensões humanas e das condições normais da vida terrestre. Não é carnal. Mas também não é um fantasma. Jesus insiste a Tomé: "Mete os teus dedos"... Isto para provar que o Ressuscitado é o mesmo Crucificado... e não fruto de uma ilusão ou visão doentia.

Estes dois aspectos devem sempre ser tidos em conta. Senão pensamos e queremos logo um Jesus Ressuscitado com carne e osso, quando o seu Corpo é um Corpo espiritual, um corpo transformado pelo Espírito. Mas é Corpo, porque o Ressuscitado possui capacidade de presença, de comunicação e de relação.

c) Um terceiro aspecto comum a todos os relatos de aparições é o facto de que, reconhecendo o Senhor, os discípulos como que antecipam já em vida a visão do futuro eterno e definitivo. Mas é-lhes lembrado: "porque ficais a olhar para o alto?" A vida continua!

Destas breves reflexões será bom concluirmos que a narração das aparições pretendem transmitir uma experiência real e autêntica, mas tão maravilhosa e profunda, que as palavras e as frases, por muito que digam, dizem sempre pouco. Por isso as aparições não podem ser narradas como se fossem um mero facto ocorrido na esquina da rua. Elas são actuação, de uma presença sobrenatural, cuja expressão escapa à nossa linguagem, demasiado concreta e pouco simbólica. Tudo o que os evangelhos dizem das aparições são apenas aproximações ou tentativas de exprimir uma experiência real mas quase "indizível" e "historicamente" incomprovável.

II - AS APARIÇÕES DE MARIA
Vimos já que uma aparição, autêntica não depende apenas daquele que vê mas sobretudo e fundamentalmente supõe a intervenção directa daquele que "se deixa ver". O importante aqui não é definir as modalidades de tal visão mas partir e chegar a um certo número de critérios para estabelecer a autencidade (verdade) das aparições

1. As aparições de Maria são um testemunho da sua presença activa na vida da Igreja. São uma manifestação particular deste amor maternal que "a faz cuidar dos irmãos de seu Filho, que caminham ainda na Terra atá chegarem à Pátria definitiva" (Lumen Gentium, n.62). As aparições não têm por finalidade trazer uma revelação nova, mas recordar ou realçar este ou aquele aspecto da doutrina do evangelho. Mais nada pode fazer Maria senão repetir incessantemente as palavras de Caná: "Fazei o que Ele (o seu Filho) vos disser".

2. Como interpretar as aparições de Maria? Raramente encontramos uma reflexão séria sobre as aparições de Maria. Ou "se descasca" sem dó nem piedade, como o fazem alguns "cristãos cultos" ou quase se faz dogma dos enunciados de uma aparição, como se estes quase suplantassem a Escritura!
As razões desta ausência de reflexão teológica séria devem-se, em nosso modesto entender, ao facto de que raramente as pessoas gostam de enfrentar as realidades com alguma objectividade, sem apriorismos ou "pedras no sapato". Tentaremos brevemente uma hipótese se interpretação das aparições a partir da Bíblia. Descobrimos como as descrições dadas pelos vídentes, por exemplo de Fátima, se situam na mesma linha daquelas que se encontram no Antigo Testamento e das quais temos a considerar alguns pontos a propósito do que dissemos sobre as do Ressuscitado.
Vemos como as aparições marianas nos são descritas com todo um conjunto de esquemas literários (formas de escrever e apresentar ideias ou factos) pelos quais se tenta uma aproximação de expressão de algo vivido. Vejamos alguns paralelos ou semelhanças entre as narrações de Fátima e as manifestações de Deus no Antigo Testamento:
1. O homem bíblico tem consciência de que não poderá ver a Deus, sem morrer, tal o abismo que separa o pecado do homem e a santidade de Deus. Para que Deus se comunique ao homem, servir-se-á de sinais sensíveís: vento, ruídos, luz... Deus não tem figura nem rosto. A sua presença é manifestada pelo brilho da sua glória estampado, seja na figura da sarça ardente, na nuvem ou no trovão... Em Fátima, o Anjo e a Senhora fazem-se preceder de um trovão de Luz. A Senhora é rodeada de uma nuvem alvíssima. Lúcia diz que era mais bela que o Sol. Ao fim e ao cabo, a Senhora parece que não aparece, mas faz-se aparecer a seres humanos.Se ela ali estivesse, com uma presença física-corporal, de modo concretíssimo ("de carne e osso"), as descrições de Lúcia poderiam ser mais precisas e pormenorizadas.Ora Lúcia descreve mais uma manifestação do que uma realidade totalmente material. Do Anjo, ela diz "não sei o que parecia... não lhe conhecia olhos nem mãos". E os três videntes apercebem-se da mesma maneira da presença de algo sobrenatural mas só Lúcia e Jacinta é que vêem e só Lúcia é que fala... Lembremos o exemplo da conversão de S.Paulo, a caminho de Damasco: "aqueles que o acompanhavam estavam espantados, ouvindo a sua voz mas não vendo ninguém"

2. O segredo é também um elemento quase constante nas manifestações do sobrenatural. Também em Fátima. É a atitude normal depois de um acontecimento "estranho". Maria guardou tudo em seu coração e guardou segredo depois da Anunciação...

3. Também o ambiente, as circunstâncias que rodeiam o acontecimento, são uma constante (que encontramos na Bíblia e em Fátima, como em todas as aparições) importante para sabermos avaliar o significado e alcance do que se diz e acontece. Em cada página da Bíblia notamos como Deus se adapta, no modo como conduz o seu povo, ao meio ambiente cultural, social e vital em que decorre determinado acontecimento. Em Fátima, o Anjo dá a comunhão utilizando uma oração então usada: "corpo, sangue, alma e divindade"... Aparece ainda a expressão "alminhas do purgatório", característica daquela época. É claro que a pessoa vê e percebe as coisas conforme os esquemas que tem na memória. Deus não violenta as reais capacidades e a personalidade de cada uma das suas criaturas. Resulta evidente que Lucia não poderia ter visto o Inferno senão segundo a representação mental que lhe tinham oferecido... Querer partir daí para tirar conclusões doutrinais sobre o Inferno ou o Purgatório... convenhamos que se trata de um abuso e de uma desonestidade intelectual! Mesmo aí, as reprersentações simbólicas não são muito diversas daquelas que nos oferece a Escritura e, de modo especial, o seu último livro do Apocalipse.

Em conclusão: da comparação entre as manifestações sobrenaturais na Bíblia e as do tempo de hoje, queríamos perceber que se é verdade que a Revelação escrita se completou há já quase dois mil anos, não acabou a acção profética de Deus através da Igreja e dos homens. As mariofanias (aparições de Maria) e a sua mensagem devem ser estudadas e integradas à luz desta riqueza profética do Povo de Deus. Seria disparate investigar as aparições a procura de uma confirmação de verdades. Estas devem ser vistas na perspectiva da salvação actualizada para o "hoje" dos nossos dias. Os castigos e as predições anunciados (como acontecia com os profetas) não devem fazer temer a ninguém, mas aparecem como "crítica", à realidade do mundo de cada tempo.

3. Como julgar as aparições?
Não raro e aí estão algumas imaginações férteis à mistura com interesses duvidosos a inventar aparições! Não nos podemos deixar levar por falsos videntes a maior parte das vezes, gente de espírito débil e facilmente manobrável. Para julgar da autenticidade de uma aparição há que ter em conta a santidade das pessoas, a verdade dos testemunhos, a concordância entre as aparições e a mensagem de salvação, a diferença entre fenómenos exotéricos (doentios) e as reais intervenções de Deus na história do seu Povo.
Na verdade são mais as aparições que a Igreja rejeita do que aprova. As pessoas simples são as que vêem e essas habitualemente não mentem!

III. As aparições de Nossa Senhora em Fátima
Foi no decorrer da primeira guerra mundial, de Maio a Outubro de 1917, que aconteceram as celebres aparições da Virgem às crianças de Fátima. Esta pequena aldeia, situada na diocese de Leiria, era habitada por gente pobre, agricultores e criadores de gado; as crianças eram tradicionalmente pastores de rebanhos. Foi a três "Pastorinhos" que a Virgem falou. 1. Aparições preliminares:
Em 1916 um anjo aparece às três crianças para lhes preparar as visitas de Nossa Senhora. O Anjo diz-se "Anjo da Guarda" e o "Anjo de Portugal". Na primeira aparição fala-lhes do espírito de reparação e ensina-lhes uma pequena oração. Na terceira aparição dá-lhes a comunhão.

2. Aparições centrais:
1ª aparição: treze de Maio de 1917. É Domingo. Um clarão branco faz parar os miudos junto a uma azinheita. No meio da luz branca surge a figura de uma jovem que os chama. Das suas mãos pende um terço. Exorta à oração e reza do terço.

2ª aparição é a 13 de Junho de 1917: o tema da aparição é a devoção ao Imaculado Coração de Maria.

3ª aparição acontece em 13 de Julho de 1917. Maria revela o segredo, fala do Inferno e pede a conversão. Anuncia o fim da guerra.

4ª aparição: é a 19 de Agosto de 1917 porque no dia 13 os três pequenos são levados à Câmara de Vila Nova de Ourém onde ficam retidos até ao dia 15 e são proibidos de falar sobre o que diziam ter visto. Novo apelo nesta aparição à oração e sacrifício pela conversão.

5ª aparição: 13 de Setembro de 1917. Maria lamenta os ultrages de que são vítimas as crianças videntes. Repete o essencial das mensagens anteriores e promete voltar no mês seguinte.

Última aparição: 13 de Outubro de 1917. A notícia de que a Virgem faria um grande milagre leva à Cova da Iria cerca de 50.000 pessoas. A Mulher de branco revela-se como "Senhora do Rosário". Exorta a oração do terço. Pede que seja construída uma capela naquele local. Seguem-se fenómenos extraordinários no Céu, que ficaram conhecidos como o "milagre do Sol". Fatima vale mais pela mensagem do que pelo resto. A conversão que pede do coração do homem passa pela conversão ao Coração da Mãe que nos leva a Jesus. Maria revela-se como medianeira. O seu papel, ontem como hoje, é levar os homens a Jesus. O que vale é que, olhando para Maria, os homens vejam realizada a criatura que soube acolher a Palavra, identificar-se com a sua vontade, a ponto de conceber pelo Espírito Aquele que salva a humanidade: Jesus Cristo.

Pe.Amaro Gonçalo